Um sonho antigo

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Quando eu tinha 10 anos, minha professora de Redação começou a ler "A Droga da Obediência", de Pedro Bandeira, para a sala. Eu, que nunca tinha lido um livro de verdade, me apaixonei instantaneamente pela história e cheguei a concluir toda a saga de cinco livros antes mesmo de ela terminar de ler o primeiro volume para a classe. Me senti o máximo, e a história era o máximo, e eu desejava que a vida fosse recheada das aventuras eufóricas que aqueles personagens viviam; viver aquele máximo à minha maneira, MAS... tudo é um saco.
Não me entenda mal, viver é uma experiência fantástica, mas é preciso uma construção lenta, cimentada pelo tédio, para que as aventuras possam ser iniciadas. Para mim, que sou extremamente ansioso, a pouca emoção existente na rotina não é satisfatória. É tão torturante ter que viver um passo de cada vez que chego a sonhar com o futuro ao ponto de vivê-lo por inteiro antes mesmo de o futuro chegar, ou de haver a mínima possibilidade de este chegar. Assim, já vivi tantas aventuras na minha mente que a vontade é de sair espalhando as anedotas da vida por aí.
Eis o enigma: como um adolescente tímido vai conseguir espalhar essas anedotas da vida pelos quatro cantos do mundo? A resposta ecoa na minha cabeça desde que eu tinha 12 anos:
— Bora escrever um livro?
Quem me disse isso foi Anderson, meu colega de sala. Aquela ideia parecia loucura até para nós, mas o conceito de poder colocar no papel tudo aquilo que pode ser ao invés do que realmente é era tão atraente que nossas limitações racionais foram rapidamente esquecidas. Daí, aos 12, nós começamos a comprar mais cadernos e canetas do que brinquedos.
É engraçado que, qualquer pessoa que visse uma história como essa na TV, esperaria que aparecessem novos Stephen Kings andando por aí em breve. A vida, entretanto, é um quebra cabeça engraçado. Naquele ano nós escrevemos muito, e Anderson até escreveu um pequeno livro, mas nosso foco passou pela metamorfose da adolescência logo na sequência. Na virada de ano, as olimpíadas de ciência surgiram na escola, nós passamos a estudar em salas separadas, e, subitamente, matemática e física viraram uma prioridade.
Não posso reclamar muito do rumo que as coisas tomaram, pois foi só assim que consegui viver aquele Máximo que sempre quis. Aos 14, saí de casa pra estudar na capital do estado, Fortaleza, passei a estudar para o ITA, fazer olimpíadas de Física e virar a noite aprendendo C++. Vivi coisas interessantes: um namoro pra lá de esquisito, inúmeras derrotas nas olimpíadas de ciência, uma conquista olímpica que saiu até em jornal e uma sequência de rejeições colossal que dói até hoje. Em resumo: entendi, de fato, a montanha russa que é a vida.
Apesar de tudo isso, às vezes eu só me pegava sentado em um ônibus, olhando pela janela, escrevendo na minha cabeça tudo aquilo que poderia ser, ao invés do que havia sido. Eu tinha parado de escrever, mas a escrita não queria sair de mim.
Para os que leem e desejam se aventurar na escrita, tenham em mente o seguinte: uma vez escritor, para sempre escritor. Quando seu coração apertar, ou seu estômago embrulhar, ou um mar se abrir nos seus olhos, você sonhará com papel e caneta. Alguns podem interpretar isso como uma sina, mas para mim é a maneira mais eficiente de amenizar as dores da alma.
Acho que Anderson entendeu a escrita da mesma maneira que eu, porque este ano recebi uma mensagem dele me chamando pra fazer parte de um grupo de escritores. Este grupo, como devem imaginar, é o que originou o Crônicas dos 40 dias.
Depois de oito anos desde que começamos a escrever, uma pandemia aconteceu e fez com que revivêssemos um sonho antigo: o sonho de viver cada possibilidade da vida através das palavras. Assim, numa época em que se sonha cada vez mais intensamente e na qual o universo se tornou tão pequeno quanto nossas próprias casas, temos a oportunidade de continuar a vida num outro universo, com uma equipe que cresce a cada dia e com a sorte de poder levar vocês para acompanhar nossas aventuras conosco.
Espero que vocês também vasculhem o baú da vida e revivam um sonho antigo só de vocês. Enquanto isso, vamos compartilhando o nosso.

Vinícius Rodrigues

Escritor do 'Crônicas dos 40 dias'

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